quarta-feira, 22 de julho de 2015

Cana, etanol e o agronegócio em canções

Imagem: Morguefile

Ao longo da história, a produção da cana-de-açúcar e de seus derivados no Brasil tem recebido também a atenção de pessoas ligadas à produção artística do país. Obras literárias, músicas, sambas-enredo, telenovelas...

E como ocorre em outras áreas, nesta a controvérsia também está presente. Com um passado marcado pela escravidão, as críticas a esse período são evidentes, como se observa na canção Canto da plantação, de Sá, Rodrix e Guarabyra:
Carro de boi descendo a plantação
Levando a cana toda pro patrão
Carro de boi não sabe quem plantou
Carro de boi não sabe quem colheu
Nem quanta coisa que o negro penou
Nem quanta vida chicote comeu
Só pra levar a cana pro senhor
Ah, senhor, braço do negro quer se descansar
Largar a foice e partir pra Aruanda
Sem capitão do mato pra pegar
Ah , senhor tira esse negro da terra cansada
Longe da roda do carro gemendo, gemendo
Sempre a mesma toada.
Após a guinada nos carros flex em 2003, no ano seguinte, a escola de samba Acadêmicos do Salgueiro aceitou a proposta de patrocínio de um grupo de usineiros para homenagear a cana-de-açúcar e o etanol brasileiros, conforme informações da revista científica Brasiliana, da Fiocruz. Naquele ano, a escola ficou classificada em 6º lugar.
A letra, de autoria de Leonel, Luizinho Professor, Serginho 20, Sidney Sã e Professor Newtão, diz assim:
"Caminha" descrevendo nossa terra
Veio da Índia inspiração para o cultivo
Que davam fim a liberdade do nativo
Terra de fartura coberta de cana
Canaã, por natureza
Negro, do açúcar mascavo
Branco toque refinado
Da cobiça holandesa
Academia, é doce seu cantar
Verde eldorado, o encanto "deste lado"
Solo fértil pro meu samba germinar
Pelo tempo, adoçou a economia
Com a evolução, ganhou outro "sabor"
O álcool, o progresso movia
Coisa que Caminha nem imaginou
E mesmo sem destronar o ouro negro
Já desvendaram seus segredos
O nosso jeito de abastecer
Sonho vê-lo enfim em seu reinado
Meio ambiente preservado
Conquistando o "espaço, infinito alvorecer"
A cana que aqui se planta, tudo dá
Dá samba até o dia clarear
O combustível do futuro é brasileiro
É energia que hoje embala meu Salgueiro
Conformando a controvérsia recente, cito a canção Reis do Agronegócio, do último álbum de Chico César, lançado em 2015. Não é uma canção dedicada especialmente à cana ou ao etanol, mas aborda o agronegócio, incluindo o sucroenergético. A letra, de Carlos Rennó, é bastante extensa. Se preferir ouvir, segue o vídeo; depois, a letra.

Ó donos do agrobiz, ó reis do agronegócio
Ó produtores de alimento com veneno
Vocês que aumentam todo ano sua posse
E que poluem cada palmo de terreno
E que possuem cada qual um latifúndio
E que destratam e destroem o ambiente
De cada mente de vocês olhei no fundo
E vi o quanto cada um, no fundo, mente
Vocês desterram povaréus ao léu que erram
E não empregam tanta gente como pregam
Vocês não matam nem a fome que há na Terra
Nem alimentam tanto a gente como alegam
É o pequeno produtor que nos provê
E os seus deputados não protegem, como dizem
Outra mentira de vocês, Pinóquios véios
Vocês já viram como tá o seu nariz, heim? 
Vocês me dizem que o Brasil não desenvolve
Sem o agrebiz feroz, desenvolvimentista
Mas até hoje na verdade nunca houve
Um desenvolvimento tão destrutivista
É o que diz aquele que vocês não ouvem
O cientista, essa voz, a da ciência
Tampouco a voz da consciência os comove
Vocês só ouvem algo por conveniência
Para vocês, que emitem montes de dióxido
Para vocês, que têm um gênio neurastênico
Pobre tem mais é que comer com agrotóxico
Povo tem mais é que comer, se tem transgênico
É o que acha, é o que disse um certo dia
Miss Motosserrainha do Desmatamento
Já o que acho é que vocês é que deviam
Diariamente só comer seu “alimento”
Vocês se elegem e legislam feito cínicos
Em causa própria ou de empresa coligada
O frigo, a múlti de transgene e agentes químicos
Que bancam cada deputado da bancada
Até comunista cai no lobby antiecológico
Do ruralista cujo clã é um grande clube
Inclui até quem é racista e homofóbico
Vocês abafam, mas tá tudo no YouTube
Vocês que enxotam o que luta por justiça
Vocês que oprimem quem produz e quem preserva
Vocês que pilham, assediam e cobiçam
A terra indígena, o quilombo e a reserva
Vocês que podam e que fodem e que ferram
Quem represente pela frente uma barreira
Seja o posseiro, o seringueiro ou o sem-terra
O extrativista, o ambientalista ou a freira
Vocês que criam, matam cruelmente bois
Cujas carcaças formam um enorme lixo
Vocês que expulsam peixes, caracóis
Sapos e pássaros e abelhas do seu nicho
E que rebaixam planta, bicho e outros entes
E acham pobre, preto e índio “tudo” chucro
Por que dispensam tal desprezo a um vivente?
Por que só prezam e só pensam no seu lucro? 
Eu vejo a liberdade dada aos que se põem
Além da lei, na lista do trabalho escravo
E a anistia concedida aos que destroem
O verde, a vida, sem morrer com um centavo
Com dor eu vejo cenas de horror tão fortes
Tal como eu vejo com amor a fonte linda
E além do monte o pôr-do-sol porque, por sorte
Vocês não destruíram o horizonte ainda
Seu avião derrama a chuva de veneno
Na plantação e causa a náusea violenta
E a intoxicação “ne” adultos e pequenos
Na mãe que contamina o filho que amamenta
Provoca aborto e suicídio o inseticida
Mas na mansão o fato não sensibiliza
Vocês já não ´tão nem aí co´aquelas vidas
Vejam como é que o Ogrobiz desumaniza 
Desmata Minas, Amazônia, Mato Grosso
Infecta solo, rio, ar, lençol freático
Consome, mais do que qualquer outro negócio
Um quatrilhão de litros d´água, o que é dramático
Por tanto mal, do qual vocês não se redimem
Por tal excesso que só leva à escassez
Por essa seca, essa crise, esse crime
Não há maiores responsáveis que vocês 
Eu vejo o campo de vocês ficar infértil
Num tempo um tanto longe ainda, mas não muito
E eu vejo a terra de vocês restar estéril
Num tempo cada vez mais perto, e lhes pergunto
O que será que os seus filhos acharão de vocês
Diante de um legado tão nefasto?
Vocês que fazem das fazendas hoje um grande deserto verde
Só de soja, de cana ou de pasto
Pelos milhares que ontem foram e amanhã serão
Mortos pelo grão-negócio de vocês
Pelos milhares dessas vítimas de câncer
De fome e sede, fogo, bala, e de AVCs
Saibam vocês que ganham “c'um” negócio desse
Muitos milhões, enquanto perdem sua alma
Que eu me alegraria se, afinal, morresse
Esse sistema que nos causa tanto trauma
Que a mim não faria falta se vocês morressem
Saibam que não me causaria nenhum trauma
Que eu me alegraria se, afinal, morresse
Esse sistema que nos causa tanto trauma
Ó donos do agrobiz, ó reis do agronegócio
Ó produtores de alimento com veneno...

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