quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Mecanização (ou não)

O tempo voa e 2015 já está terminando. Mas o Remoenda ainda traz a última postagem do ano, em que discuto a mecanização das operações nos canaviais, em especial da colheita. O tema já rendeu muitas opiniões conflitantes envolvendo aspectos ligados à sustentabilidade e levou à redução drástica das queimadas no Estado de São Paulo. No entanto, ainda há confrontos entre práticas e normas legais.

Em agosto e setembro de 2015, a União dos Produtores de Bioenergia (UDOP), por meio da TV UDOP, lançou uma série de quatro programas, chamada "Era da mecanização da cana: desafios e oportunidades". Os programas abordam as transformações ocorridas na produção de cana-de-açúcar em decorrência do processo de mecanização associado às determinações legais pelo fim das queimadas nos canaviais paulistas, conforme o Protocolo Agroambiental firmado em 2007. A legislação antecipou o fim das queimadas de 2021 para 2014, nas áreas mecanizáveis, e de 2031 para 2017, nas áreas não mecanizáveis.

Os três primeiros programas da série abordam os temas meio ambiente e trabalhoprodutividade agrícola e tecnologias. O último programa trata do futuro da mecanização do setor. A série destaca impactos positivos da mecanização para o meio ambiente e mudanças na força de trabalho, com redução da quantidade de empregados e aumento do nível de capacitação exigido. No que diz respeito à produtividade, o impacto inicial negativo deve-se às dificuldades de adaptação à mecanização, mas os produtores buscam reverter essa tendência por meio da adoção de tecnologias mais adequadas e inovações, como novas variedades de cana, colhedoras adaptadas, viveiros de mudas, sementes de cana (com lançamento previsto para 2017) e VANTs (veículos aéreos não tripulados) para auxiliar no mapeamento da área cultivada. O aproveitamento da palha para a produção de bioeletricidade e etanol de segunda geração é um ponto positivo decorrente dessa mudança. São entrevistados pesquisadores do CTBE, CTC, UFSCar, produtores, gerentes e diretores de empresas como a Alcooeste, Grupo Clealco e Raízen.

Minas Gerais na contramão

Duas denúncias do Ministério Público Federal em Minas Gerais (MPF/MG) em meados de 2015 chamaram a atenção para crimes relacionados a queimadas e condições de trabalho na atividade canavieira no Estado.

A denúncia por redução de trabalhadores à condição análoga à de escravo e formação de quadrilha recai sobre a quatro empresários paulistas de um grupo econômico composto pelas empresas Alvorada do Bebedouro S/A Açúcar e Álcool, Absolut Participações Ltda, Agrícola Monções Ltda e Asthúrias Agrícola Ltda, conforme relata notícia do MPF. "Durante fiscalizações realizadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público do Trabalho (MPT) e pela Polícia Federal nos anos de 2008, 2011 e 2012, foram encontrados, no total, 2.637 trabalhadores submetidos a regime de trabalho escravo", relata a matéria.

No tocante à denúncia por crime ambiental dirigida à Itaiquara Alimentos S/A, atual denominação da Usina Itaiquara de Açúcar e Álcool S/A, as práticas de queimadas ferem a Deliberação Normativa nº 133/2009 do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM), que proíbe a queima controlada da cana-de-açúcar na zona de amortecimento de unidades de conservação. A queima da cana-de-açúcar realizada pela Itaiquara teria causado graves danos ambientais ao Parque Nacional da Serra da Canastra e à sua respectiva Zona de Amortecimento, com impactos também à saúde dos trabalhadores e populações vizinhas. Diz a notícia publicada no site do MPF:
Laudo técnico elaborado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) esclarece que o uso do fogo para limpeza de canaviais "provoca a destruição e a degradação de ecossistemas, tanto nas lavouras como próximo a elas, além de ocasionar a liberação de poluição atmosférica altamente prejudicial à saúde, afetando todo o entorno da região canavieira".

Como se vê, ao lado de avanços ainda há conflitos de interesses e progressos pendentes para promover a sustentabilidade da atividade canavieira no Brasil. Taí um bom desejo para o setor em 2016.

domingo, 23 de agosto de 2015

De repente, na lojinha de orgânicos

Imagem: Artigo da revista Biocontact jul-ago/2015. 
Por Flávia Gouveia.

Como de costume, passei na lojinha de produtos orgânicos (chamados produtos "Bio" aqui na França) e peguei a revista gratuita Biocontact, que fala de assuntos ligados à sustentabilidade, alimentação e bem estar. A capa anuncia o dossiê da edição, que questiona os automóveis e aborda meios de transporte alternativos.

Na página 54, um artigo intitulado "Agrocombustíveis: ineficazes para o clima, perigosos para as populações", de Armelle Le Comte, encarregada de advogar sobre questões climáticas e de energia fóssil para a Oxfam França*.

O artigo cita inicialmente a promessa dos agrocombustíveis em reduzir as emissões de gases de efeito estufa e contribuir para a segurança energética dos países produtores, mas em seguida apresenta uma série de críticas, como a ameaça dos agrocombustíveis à segurança alimentar e à biodiversidade, cadeias produtivas dependentes de combustíveis fósseis e incentivos fiscais que representam perdas de arrecadação para atender ao lobby dos produtores.

O texto critica também a falta de critérios de sustentabilidade por parte da União Europeia para a determinação do percentual de agrocombustíveis de primeira geração adicionado aos combustíveis tradicionais (7% até 2020) e termina com recomendações em defesa de agrocombustíveis sofisticados produzidos a partir de dejetos não recicláveis ou que não requeiram terras ou matérias-primas necessárias à agricultura.

Embora o foco do artigo seja a França e a Europa, o tom é geral, mencionando ainda consequências danosas para os países do Sul. A autora aponta que "o impacto negativo das políticas de apoio aos agrocombustíveis é reconhecido pelo conjunto da comunidade científica e denunciado pela sociedade civil internacional".

Fazendo um paralelo com o Brasil, observa-se que o debate acerca da sustentabilidade do etanol de cana brasileiro tem algumas características semelhantes ao debate europeu sobre agrocombustíveis, mas tem também suas particularidades. De toda forma, a discussão internacional representa uma importante influência sobre as discussões brasileiras, como se verá na COP 21, entre os dias 30 de novembro e 11 de dezembro, em Paris.

Estou curiosa para ver como as lojinhas de produtos orgânicos e outros ambientes de alcance público divulgam informações sobre o tema no Brasil, se é que divulgam.
Quem quiser pode ler o artigo na íntegra (em francês) por meio deste link (1).

* A Oxfam França é membro da confederação Oxfam, uma organização internacional de desenvolvimento que mobiliza o poder cidadão contra a pobreza. Trabalha em mais de 90 países a fim de encontrar soluções sustentáveis para colocar fim às inustiças que engendram a pobreza. Seu braço francês atua há 25 anos  em campanhas de mobilização cidadã e de pressão sobre formuladores de políticas.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Cana, etanol e o agronegócio em canções

Imagem: Morguefile

Ao longo da história, a produção da cana-de-açúcar e de seus derivados no Brasil tem recebido também a atenção de pessoas ligadas à produção artística do país. Obras literárias, músicas, sambas-enredo, telenovelas...

E como ocorre em outras áreas, nesta a controvérsia também está presente. Com um passado marcado pela escravidão, as críticas a esse período são evidentes, como se observa na canção Canto da plantação, de Sá, Rodrix e Guarabyra:
Carro de boi descendo a plantação
Levando a cana toda pro patrão
Carro de boi não sabe quem plantou
Carro de boi não sabe quem colheu
Nem quanta coisa que o negro penou
Nem quanta vida chicote comeu
Só pra levar a cana pro senhor
Ah, senhor, braço do negro quer se descansar
Largar a foice e partir pra Aruanda
Sem capitão do mato pra pegar
Ah , senhor tira esse negro da terra cansada
Longe da roda do carro gemendo, gemendo
Sempre a mesma toada.
Após a guinada nos carros flex em 2003, no ano seguinte, a escola de samba Acadêmicos do Salgueiro aceitou a proposta de patrocínio de um grupo de usineiros para homenagear a cana-de-açúcar e o etanol brasileiros, conforme informações da revista científica Brasiliana, da Fiocruz. Naquele ano, a escola ficou classificada em 6º lugar.
A letra, de autoria de Leonel, Luizinho Professor, Serginho 20, Sidney Sã e Professor Newtão, diz assim:
"Caminha" descrevendo nossa terra
Veio da Índia inspiração para o cultivo
Que davam fim a liberdade do nativo
Terra de fartura coberta de cana
Canaã, por natureza
Negro, do açúcar mascavo
Branco toque refinado
Da cobiça holandesa
Academia, é doce seu cantar
Verde eldorado, o encanto "deste lado"
Solo fértil pro meu samba germinar
Pelo tempo, adoçou a economia
Com a evolução, ganhou outro "sabor"
O álcool, o progresso movia
Coisa que Caminha nem imaginou
E mesmo sem destronar o ouro negro
Já desvendaram seus segredos
O nosso jeito de abastecer
Sonho vê-lo enfim em seu reinado
Meio ambiente preservado
Conquistando o "espaço, infinito alvorecer"
A cana que aqui se planta, tudo dá
Dá samba até o dia clarear
O combustível do futuro é brasileiro
É energia que hoje embala meu Salgueiro
Conformando a controvérsia recente, cito a canção Reis do Agronegócio, do último álbum de Chico César, lançado em 2015. Não é uma canção dedicada especialmente à cana ou ao etanol, mas aborda o agronegócio, incluindo o sucroenergético. A letra, de Carlos Rennó, é bastante extensa. Se preferir ouvir, segue o vídeo; depois, a letra.

Ó donos do agrobiz, ó reis do agronegócio
Ó produtores de alimento com veneno
Vocês que aumentam todo ano sua posse
E que poluem cada palmo de terreno
E que possuem cada qual um latifúndio
E que destratam e destroem o ambiente
De cada mente de vocês olhei no fundo
E vi o quanto cada um, no fundo, mente
Vocês desterram povaréus ao léu que erram
E não empregam tanta gente como pregam
Vocês não matam nem a fome que há na Terra
Nem alimentam tanto a gente como alegam
É o pequeno produtor que nos provê
E os seus deputados não protegem, como dizem
Outra mentira de vocês, Pinóquios véios
Vocês já viram como tá o seu nariz, heim? 
Vocês me dizem que o Brasil não desenvolve
Sem o agrebiz feroz, desenvolvimentista
Mas até hoje na verdade nunca houve
Um desenvolvimento tão destrutivista
É o que diz aquele que vocês não ouvem
O cientista, essa voz, a da ciência
Tampouco a voz da consciência os comove
Vocês só ouvem algo por conveniência
Para vocês, que emitem montes de dióxido
Para vocês, que têm um gênio neurastênico
Pobre tem mais é que comer com agrotóxico
Povo tem mais é que comer, se tem transgênico
É o que acha, é o que disse um certo dia
Miss Motosserrainha do Desmatamento
Já o que acho é que vocês é que deviam
Diariamente só comer seu “alimento”
Vocês se elegem e legislam feito cínicos
Em causa própria ou de empresa coligada
O frigo, a múlti de transgene e agentes químicos
Que bancam cada deputado da bancada
Até comunista cai no lobby antiecológico
Do ruralista cujo clã é um grande clube
Inclui até quem é racista e homofóbico
Vocês abafam, mas tá tudo no YouTube
Vocês que enxotam o que luta por justiça
Vocês que oprimem quem produz e quem preserva
Vocês que pilham, assediam e cobiçam
A terra indígena, o quilombo e a reserva
Vocês que podam e que fodem e que ferram
Quem represente pela frente uma barreira
Seja o posseiro, o seringueiro ou o sem-terra
O extrativista, o ambientalista ou a freira
Vocês que criam, matam cruelmente bois
Cujas carcaças formam um enorme lixo
Vocês que expulsam peixes, caracóis
Sapos e pássaros e abelhas do seu nicho
E que rebaixam planta, bicho e outros entes
E acham pobre, preto e índio “tudo” chucro
Por que dispensam tal desprezo a um vivente?
Por que só prezam e só pensam no seu lucro? 
Eu vejo a liberdade dada aos que se põem
Além da lei, na lista do trabalho escravo
E a anistia concedida aos que destroem
O verde, a vida, sem morrer com um centavo
Com dor eu vejo cenas de horror tão fortes
Tal como eu vejo com amor a fonte linda
E além do monte o pôr-do-sol porque, por sorte
Vocês não destruíram o horizonte ainda
Seu avião derrama a chuva de veneno
Na plantação e causa a náusea violenta
E a intoxicação “ne” adultos e pequenos
Na mãe que contamina o filho que amamenta
Provoca aborto e suicídio o inseticida
Mas na mansão o fato não sensibiliza
Vocês já não ´tão nem aí co´aquelas vidas
Vejam como é que o Ogrobiz desumaniza 
Desmata Minas, Amazônia, Mato Grosso
Infecta solo, rio, ar, lençol freático
Consome, mais do que qualquer outro negócio
Um quatrilhão de litros d´água, o que é dramático
Por tanto mal, do qual vocês não se redimem
Por tal excesso que só leva à escassez
Por essa seca, essa crise, esse crime
Não há maiores responsáveis que vocês 
Eu vejo o campo de vocês ficar infértil
Num tempo um tanto longe ainda, mas não muito
E eu vejo a terra de vocês restar estéril
Num tempo cada vez mais perto, e lhes pergunto
O que será que os seus filhos acharão de vocês
Diante de um legado tão nefasto?
Vocês que fazem das fazendas hoje um grande deserto verde
Só de soja, de cana ou de pasto
Pelos milhares que ontem foram e amanhã serão
Mortos pelo grão-negócio de vocês
Pelos milhares dessas vítimas de câncer
De fome e sede, fogo, bala, e de AVCs
Saibam vocês que ganham “c'um” negócio desse
Muitos milhões, enquanto perdem sua alma
Que eu me alegraria se, afinal, morresse
Esse sistema que nos causa tanto trauma
Que a mim não faria falta se vocês morressem
Saibam que não me causaria nenhum trauma
Que eu me alegraria se, afinal, morresse
Esse sistema que nos causa tanto trauma
Ó donos do agrobiz, ó reis do agronegócio
Ó produtores de alimento com veneno...

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Carros elétricos e etanol

Imagem: veículos elétricos Autolib' em Paris.  Por Flávia Gouveia.

Os veículos elétricos têm ganhado mercado nos últimos anos. No Japão, representam 11% da frota, nos Estados Unidos, 4%, e no Brasil, apenas 0,04%, segundo dados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) informados pelo portal Uai. De acordo com o portal, além de serem considerados uma alternativa menos poluente que os veículos a combustão, movidos a gasolina, diesel e etanol, o custo de cada quilômetro rodado com um veículo elétrico é menor.

Japão, Estados Unidos, Alemanha, França, Coreia do Sul e China dominam a tecnologia dos veículos elétricos. O Brasil não desenvolve nem produz carros elétricos, apesar de fabricantes de carros elétricos no mercado mundial possuírem plantas no Brasil (que se dedicam a veículos a combustão). É o que explica o pesquisador Edgar Barassa  que defendeu a dissertação de mestrado “Trajetória tecnológica do veículo elétrico: atores, políticas e esforços tecnológicos no Brasil”, pelo Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas – em reportagem do Jornal da Unicamp.

A prevalência dos veículos a combustão no Brasil e a ampla infraestrutura de distribuição de combustíveis dificultam a inserção dos veículos elétricos, que requerem eletropostos e baterias eficientes, capazes de conferir uma boa autonomia e vida útil compatível com parâmetros de sustentabilidade. O custo ainda é muito alto, comparado ao de veículos a combustão. Para se ter uma ideia, o veículo híbrido Toyota Prius custa cerca de R$ 90 mil. Ainda assim, o preço caiu consideravelmente: era de R$ 125 mil antes de 2014, quando os híbridos foram incorporados à política setorial do Inovar-Auto – Sistema de Acompanhamento do Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores, que prevê desconto no imposto de importação.

A fabricação de carros elétricos no Brasil ganhou recentemente um incentivo por meio do Projeto de Lei 156/2015, de autoria do deputado federal Roberto de Lucena (PV-SP), que visa à isenção do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) e do Imposto de Importação (II) sobre a comercialização de máquinas, equipamentos, estruturas e outros componentes necessários à fabricação de carros elétricos. O projeto, apresentado em fevereiro deste ano, aguarda a tramitação.

O papel do etanol

Diante do crescimento do mercado de veículos elétricos, como fica o papel do etanol combustível, produzido em larga escala no Brasil? A resposta não é trivial. De acordo com Stella K. Li, presidente da divisão automotiva da BYD (empresa produtora de baterias e veículos elétricos), em entrevista à Folha de S. Paulo de 7 junho de 2014, o carro elétrico é mais sustentável que o movido a etanol. Ela aponta dois problemas relacionados ao etanol: (i) a oscilação de preço decorrente da possibilidade de se transformar a cana também em açúcar e (ii) a característica limpa da energia gerada pelas hidroelétricas no Brasil, o que favorece a sustentabilidade do carro elétrico.

Porém, em 15 de novembro de 2013, o Estadão publicou uma matéria no sentido oposto, tendo como primeiro parágrafo o seguinte texto:
O carro elétrico não é a melhor solução para melhorar o meio ambiente no Brasil - na opinião dos presidentes de duas das maiores fábricas de veículos do Brasil, a Mercedes-Benz e a Fiat. Para eles, o carro a etanol é a mais viável e eficiente alternativa para reduzir a poluição no Brasil.
Os argumentos em defesa do etanol repousam em sua eficiência, infraestrutura adequada e benefícios ambientais. A controvérsia pode ser também observada neste texto de Juan Lourenço, criador do site eco4planet, que apresenta a visão pró-etanol e em seguida argumenta contra.

Entretanto, há quem proponha uma convivência simbiótica entre carro elétrico e etanol no contexto de aumento da demanda do biocombustível no Brasil sem acompanhamento pela oferta. É o que se observa neste artigo do engenheiro Luiz Carlos Porto, diretor técnico da Silva Porto Consultoria Ambiental, publicado em outubro de 2011 no site do escritório de advocacia Brummer. Segundo Luiz Carlos, o carro elétrico tende a ganhar mercado sobre os carros movidos a etanol no Brasil. Porém, ele argumenta que "a eficiência energética das turbinas de geração de energia a etanol é muito maior do que a dos carros. E a eficiência do motor elétrico é muito maior do que a do motor a combustão interna". Assim, o uso do etanol para a geração de energia elétrica poderia ser um aliado na disseminação do carro elétrico no mercado brasileiro.

domingo, 31 de maio de 2015

Inovações em energia solar buscam sustentabilidade

Imagem: Morguefile

De acordo com a Agência Internacional de Energia, a demanda energética mundial irá crescer em um terço nos próximos vinte anos, sendo os países em desenvolvimento responsáveis por 90% desse crescimento. Os combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural) são a origem de grande parte da energia consumida no mundo. Apesar de seus reconhecidos efeitos prejudiciais ao meio ambiente e à saúde, esses combustíveis recebem subsídios da ordem de 6,5% do PIB global (US$ 5,3 trilhões), conforme estimativa do FMI. O cálculo inclui os danos causados pela poluição do ar ​​às populações locais e efeitos das alterações climáticas como inundações, secas e tempestades, informa matéria veiculada no Jornal GGN.

Diante dessa realidade, inovações revolucionárias estão em marcha para fazer frente à dependência energética mundial pelas fontes de origem fóssil. No dia 30 de abril, a Tesla, produtora de veículos elétricos por meio da Tesla Motors, lançou a bateria Tesla Powerall, que promete usar a energia solar para tornar as casas totalmente independentes da energia elétrica tradicional, baseada em combustíveis fósseis. A entusiasmante inovação já recebe críticas quando a sua viabilidade, como se observa nesta matéria do IDGNOW!

Apostando também na energia solar, a Caterpillar Inc. lançou este mês uma aliança estratégica com a First Solar para desenvolver microgrids fotovoltaicos para as cidades afastadas, minas, ilhas e instalações industriais nas áreas atualmente sem eletricidade. Segundo matéria do GreenBiz, as novas tecnologias de microgrid podem contribuir com o fornecimento de eletricidade para 19% da população mundial que hoje não têm acesso a esse recurso. No lado crítico, este texto aponta desvantagens dos painéis solares.

No âmbito dos transportes, a ampliação da oferta de energia elétrica de origem solar, renovável e defendida como sustentável, leva a se pensar na solução do carro elétrico. O carro elétrico e o papel do etanol diante desse mercado em ascensão será o tema do meu próximo post. Aguarde!

domingo, 26 de abril de 2015

Sustentabilidade para a bioenergia

Imagem: http://www.publicdomainpictures.net/

Foi lançado no dia 14 de abril na sede da FAPESP o relatório Bioenergy & Sustainability: Bridging the Gaps, resultado de análises sobre a sustentabilidade da produção e do uso da bioenergia desenvolvidas nos últimos dois anos por 137 especialistas de 24 países e 82 instituições.

Os tópicos investigados incluem o uso da terra, fontes de biomassa para bioenergia, integração com a agricultura e silvicultura, água e solo, emissões de gases de efeito estufa, impacto dos biocombustíveis sobre a biodiversidade e os serviços ambientais, assim como questões sociais e econômicas.

Entre as conclusões do estudo, destaca-se que os sistemas de produção de bioenergia com base em práticas sustentáveis ​​podem ajudar a compensar as emissões de gases de efeito estufa resultantes de mudanças de uso da terra ou perda de biodiversidade. As tecnologias e procedimentos compreendem combinações de diferentes matérias-primas, uso de co-produtos, integração da bioenergia com a agricultura, intensificação das pastagens (áreas menores para os rebanhos), zoneamento agro-ecológico, planejamento da paisagem, melhorias na produtividade e outras práticas de gestão da terra adaptadas às condições locais.

Os autores também afirmam que há terras suficientes disponíveis em todo o mundo para a expansão do cultivo de biomassa, sendo a maior parte na América Latina e na África, e que a utilização dessas áreas para a produção de bioenergia não representaria uma ameaça para a segurança alimentar e biodiversidade sob certas condições. Além disso, apresentam evidências de que as tecnologias de melhoria do solo, integração da cadeia de produção e uso de subprodutos de bioenergia em áreas rurais pobres poderia impulsionar o desempenho econômico, melhorar a qualidade dos alimentos, reduzir a poluição e criar empregos.

O trabalho foi coordenado por cientistas ligados a programas de pesquisa da FAPESP em Bioenergia (BIOEN), Mudança Global do Clima (RPGCC), e da Biodiversidade (BIOTA), e teve apoio da FAPESP e do Comitê Científico sobre Problemas do Meio Ambiente (SCOPE), uma organização internacional não governamental. O relatório completo pode ser baixado gratuitamente neste link: http://bioenfapesp.org/scopebioenergy/index.php/chapters

Enquanto isso, na Holanda

Já que o tema deste blog são as controvérsias, ressalto que na mesma semana do lançamento da publicação na FAPESP, aconteceu na Universidade de Tecnologia de Eindhoven, na Holanda, a conferência Biofuels and (ir)responsible innovation, da qual participei apresentando um levantamento histórico do caso brasileiro. Foram apresentados trabalhos e ministradas palestras destacando-se aspectos controversos, promessas e perigos da produção de biocombustíveis para a sustentabilidade, bem como o papel das inovações para promover o desenvolvimento sustentável.

Os estudos apresentados envolveram biocombustíveis de origens diversas (como jatrofa, cana-de-açúcar, soja e palma) produzidos em vários locais, como Reino Unido, Guatemala, Brasil, Turquia, Vietnam, Benin, Burkina Faso, Senegal, Mali, Colômbia e Índia. Temas transversais também foram discutidos. Uma controvérsia muito presente nas discussões do evento foi a que trata da segurança alimentar, expressa na competição entre alimentos e biocombustíveis, em diversos países. De maneira geral, apesar das especificidades de cada local, os temas controversos são recorrentes, incluindo, além da segurança alimentar, discussões sobre as emissões de GEE, certificações, biodiversidade, impactos sociais, entre outros.

No que tange às particularidades locais, as avaliações sobre resultados da produção dos biocombustíveis na sustentabilidade e formas de melhorar esses resultados devem considerar os contextos específicos, características das biomassas e ensinamentos da evolução histórica. A multidisciplinaridade dos participantes e a variedade de aspectos considerados indicaram a importância da união de conhecimentos de diferentes áreas para pensar o tema e soluções pertinentes. Observou-se que o diálogo entre profissionais com diferentes formações deve ser exercitado de forma cooperativa, tal como foi proposto pelos organizadores do evento, em uma atividade realizada em grupos.

Durante o evento, a palestrante Janske van Eijck distribuiu exemplares de seu livro Socio-Economic Impacts of Biofuels in Developing Countries, que pode ser obtido em versão eletrônica neste link. O livro abrange um amplo conjunto de países e tipos de biocombustíveis, e aponta rumos para as ações e pesquisas na área.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Etanol 2G: sucesso para quando?

Imagem gratuita: http://pixabay.com

As discussões recentes em torno do etanol de segunda geração versam principalmente sobre sua capacidade de atender a demandas por um combustível de custo atrativo e de caráter sustentável. A edição de dezembro de 2014 da revista CanaOnline traz a reportagem de capa Etanol muito mais verde!, que destaca como o etanol celulósico é ambientalmente mais performático que o etanol de cana-de-açúcar e mais rentável quando produzido de forma integrada à produção de primeira geração.

O exemplo de destaque é a usina Costa Pinto, em Piracicaba, primeira planta de etanol 2G do Grupo Raízen (formado pela fusão entre o conglomerado brasileiro Cosan e a empresa anglo-holandesa Shell). A matéria-prima utilizada no momento é a palha e o bagaço da cana, mas futuramente poderá utilizar biomassa de milho, trigo, cavado de madeira e eucalipto. De acordo com a reportagem, uma planta de etanol 2G possui pegada de carbono 15 vezes menor que uma planta de etanol 1G. 

Na semana passada, a Agência Estado publicou notícia veiculada no portal novaCana informando que o Banco Nacional de Desenvolvimento e Econômico e Social (BNDES) divulgou um estudo em que mostra que o custo de produção do etanol 2G, feito de palha e bagaço de cana, ficará abaixo do 1G até 2020. As estimativas para daqui a cinco anos são de que os valores atuais, próximos de R$ 1,50 (2G) e R$ 1,10 (1G), caiam para valores entre R$ 0,70 e R$ 0,50 (2G) e R$ 0,90 e R$ 0,70 (1G). Quanto ao rendimento, o 2G pode chegar a 17 mil litros por hectare de cana, contra 6,9 mil litros/ha no caso do 1G.

Durante o seminário Sugar & Ethanol Brazil, realizado pela F.O. Lichts em São Paulo, entre os dias 23 e 25 de março, o gerente de desenvolvimento de negócios da empresa de especialidades químicas Clariant afirmou que o etanol de segunda geração (2G), feito a partir do bagaço e da palha de cana-de-açúcar, tem espaço para crescer no Brasil, tornando o País "um dos maiores do mundo nesse mercado", conforme matéria do Estadão Conteúdo veiculada no Portal Exame.

Assim, o etanol 2G seria a tendência dos biocombustíveis no futuro próximo. Entretanto, matéria publicada ontem no novaCana afirma:
Com uma produção ainda marginal, resultado do início da operação de algumas usinas no Brasil, Estados Unidos e Itália, o etanol celulósico vive um momento delicado. Nota-se, claramente, um ajuste de expectativas sobre os prazos de desenvolvimento do combustível pelo mundo e desânimo em relação às perspectivas de curto e médio prazo.
O texto cita declarações feitas no Sugar & Ethanol Brazil, segundo as quais a tecnologia do etanol 2G ainda está cercada de incertezas e a produção ainda não se viabilizou em larga escala. A planta de etanol 2G da Petrobras, que integraria o grupo de empresas com previsão de inaugurar plantas de etanol 2G em 2015, suspendeu os planos do projeto face à crise institucional decorrente das denúncias de corrupção envolvendo a empresa.

Para discutir o atual mercado do etanol de segunda geração, bem como sua possibilidade de aumentar a produtividade e gerar maiores rendimentos para o setor, o BNDES realizará no dia 7 de abril, no Rio de Janeiro, o seminário de Avaliação do Potencial Competitivo do Etanol 2G no Brasil. Veja a Programação aqui.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Entrevista com o Prof. Sergio Salles Filho


Este mês será lançado o livro Futuros do Bioetanol: O Brasil na Liderança?, produzido por pesquisadores do Núcleo de Apoio à Gestão da Inovação para a Sustentabilidade no Setor Sucroenergético (Nagise) e organizado pelo professor Sergio Salles Filho, do Instituto de Geociências da Unicamp e coordenador do núcleo. O estudo em nove capítulos analisa como a inovação tecnológica e não tecnológica ocorre no setor e como deverá alterar as características produtivas e mercadológicas do etanol nos âmbitos nacional e global.

Entre as atividades que deram subsídio ao livro está o esforço sistemático do grupo para a capacitação e o diagnóstico do tema de inovação e de gestão da inovação junto a 35 unidades produtivas representando 58 empresas e grupos do setor que, juntos, respondem por cerca de um terço da produção nacional de etanol.

Além do lançamento em São Paulo, dia 25 de fevereiro (Livraria Cultura, Conjunto Nacional, às 18h30), haverá lançamentos em Recife, Brasília e Limeira ao longo do mês de março, com data e local a definir (assim que eu souber, atualizo aqui).

No dia 12 de fevereiro, conversei com o Prof. Sergio Salles sobre a pesquisa e seus resultados, organizados no livro. Eis a entrevista.

1) Entre os diversos possíveis futuros para o etanol apontados no livro, quais o Sr. considera os mais desejáveis e quais os mais prováveis?

Não é possível falar de probabilidade para cenários. O grau de incerteza é tão alto que torna impossível qualquer previsão. O futuro deverá ser uma combinação dos cenários construídos, dificilmente um deles será a realidade no futuro. Hoje há duas questões interconectadas mais importantes sobre o futuro do bioetanol, ambas difíceis de solucionar: a transformação do etanol em uma commodity e a segunda geração.

A mais difícil delas é a ampliação do etanol na matriz energética no mundo, que significa transformar o etanol em uma commodity. Até 2010-2011 havia uma perspectiva muito otimista para o etanol no Brasil, de que cresceria seu peso na matriz energética e de que a liderança seria brasileira. Agora essa perspectiva se converteu em incerteza, daí o ponto de interrogação no título do livro. Atualmente, nada aponta explicitamente para o aumento substantivo da presença do etanol como biocombustível em âmbito internacional a ponto de ser comercializado globalmente, com preços definidos globalmente, tornando-se assim uma commodity, como o petróleo. Ao mesmo tempo, há indícios de que o etanol venha a ganhar espaço na matriz energética. O tema da sustentabilidade pressiona a favor do etanol. O mercado nacional, que sustenta o setor, tem um limite. O setor só vai dar um salto definitivo de qualidade, extensão e importância quando o etanol entrar na matriz energética internacional.

Com relação ao segundo ponto, da segunda geração, abre-se a possibilidade de se produzir etanol em praticamente qualquer parte do planeta, basta haver biomassa. Embora haja viabilidade técnica e algumas unidades produtivas em operação, sendo a maior delas da Granbio iniciada em setembro do ano passado, há ainda incertezas e problemas. Então a viabilidade técnica e tecnológica ainda não está totalmente dada. Do meu ponto de vista é uma questão de tempo e de volume de recursos investidos nesse desenvolvimento. O problema principal não é técnico, é um problema de mercado, de organização da matriz energética, de decisão de investimento. O etanol de segunda geração só vai deslanchar se o etanol tiver espaço no mercado. O etanol pode ser uma solução, mas o contexto de incerteza leva à necessidade de se observarem os vários cenários possíveis. O espaço econômico de combustíveis para veículos com motores a combustão interna vai continuar existindo e representa oportunidades para o etanol.

2) Grandes produtores de etanol no mundo, os Estados Unidos e o Brasil tiveram trajetórias muito distintas nos últimos anos. O que explica essa diferença?

O lobby agrícola, especialmente do milho, nos Estados Unidos é muito forte. Os Estados Unidos têm uma máquina de capitalismo baseada em investimento capaz de atender a pressões como o aumento da mistura de etanol à gasolina. Nos Estados Unidos, em cinco, seis anos, a produção anual de etanol passou de 25 a 50 bilhões de litros, e assim o etanol entrou na matriz energética daquele país com alguma facilidade. No Brasil a produção de etanol passou de 16 para 24 bilhões de litros no mesmo período. Por quê? Primeiro porque bate no teto do que é o mercado brasileiro, dentro das condições dos preços. Essas condições colocadas nos últimos três anos refletem uma contenção dos preços do petróleo que atingiu os preços do etanol e fez com que a oferta batesse em um teto. É possível elevar o teto do mercado interno, mas não é isso que vai transformar o setor definitivamente. Se o Brasil tivesse que produzir etanol a partir do milho, buscaríamos a desculpa de que transformar o milho em etanol é muito mais difícil, porque é preciso quebrar o amido antes da fermentação, o que não ocorre com o etanol de cana-de-açúcar. Mas nunca ouvi uma reclamação dos produtores de etanol de milho nesse sentido.

A produção de etanol nos Estados Unidos dá conta de sua demanda, ainda que importe uma pequena parcela de etanol do Brasil. No Brasil, assim como nos Estados Unidos, grande parte do etanol produzido é consumida internamente. A Europa está tendendo muito mais para o biodiesel, porque a produção agrícola europeia se concentra em oleaginosas e não em vegetais ricos em sacarose ou amido. As associações de produtores de oleaginosas na Europa pressionam pelo biodiesel e não pelo etanol. Restam então China, Índia e outros grandes consumidores de biocombustíveis, cujas decisões dependem de uma série de variáveis, sendo o eixo o preço do petróleo. Com a queda dos preços do petróleo no ano passado, mudou tudo. Entregamos a versão final do livro em agosto de 2014. Dali até recebermos a prova editorada, o contexto havia mudado muito em função da queda dos preços internacionais do petróleo, que caíram de patamares acima dos US$ 100/barril para metade disso. Então tivemos de refazer parte das conclusões do livro. Com isso, os países reveem suas políticas. O etanol continua sendo importante por causa dos marcos regulatórios e, principalmente, por causa da sustentabilidade.

3) As inovações potencias do setor sucroenergético em gestação atualmente têm um compromisso com a sustentabilidade?

Sim e não. Sim, porque talvez hoje seja a principal plataforma na qual se sustenta o crescimento dos biocombustíveis. Não, porque a força desse tema precisa enfrentar a força dos preços da matriz energética global baseada no petróleo. Então a sustentabilidade não é uma força que se reproduz economicamente. As ações se devem à existência de um marco regulatório, que não é capaz de alterar as forças que influenciam as decisões de investimento. Também é preciso considerar os movimentos da indústria automobilística, o carro elétrico, outras fontes alternativas além do etanol. As trajetórias tecnológicas estão competindo. Existe uma mudança de trajetória tecnológica, mas ainda na fase inicial de competição. Algumas soluções serão eleitas e continuarão no mercado, enquanto outras serão eliminadas. Não é possível prever quais serão as eleitas. Esse é um sistema complexo em que as variáveis não são preditíveis. Por outro lado, ao observarmos o que as empresas fazem atualmente em termos de inovação, a sustentabilidade é o tema no qual há maior volume de investimentos. Mais até do que o tema da produtividade. Foi isto o que vimos no trabalho do Nagise.

4) Diante do avanço dos Estados Unidos na área de energia, especialmente o etanol de milho e o gás de xisto, em que medida o argumento da sustentabilidade pode influenciar as ações do setor sucroenergético no Brasil?

O etanol de milho e o gás de xisto nos Estados Unidos são exemplos de como as condições podem mudar rapidamente. Seis anos atrás o xisto representava 2% do consumo de gás natural nos Estados Unidos, hoje seu consumo chega a 25%. Mudar uma matriz dessa maneira, com essa rapidez, deixa o mundo atônito. Nenhum outro país tem essa capacidade de resposta. Com relação ao etanol, a produção anual duplicou nesse período. E isso a despeito das críticas quanto à sustentabilidade, no sentido ambiental, porque na comparação com gasolina e diesel, tanto o etanol de milho como o gás de xisto são considerados males menores.

5) Do seu ponto de vista, a cadeia de produção do etanol combustível brasileiro pode ser considerada sustentável? Suas bases apoiadas em grandes propriedades de terras e grandes empresas multinacionais seriam incompatíveis com a sustentabilidade?

A questão da sustentabilidade é sempre relativa. Como disse, em comparação com combustíveis fósseis líquidos o etanol, sendo renovável, é sustentável. Isto não significa que impactos negativos não estejam presentes, eles estão, basta olhar o horizonte quando se viaja pelo estado de São Paulo, até onde a vista alcança, é cana que não acaba mais. Entretanto, quando fizemos o diagnóstico sobre a situação da inovação nas empresas do setor, verificamos que as inovações tecnológicas e não tecnológicas mais frequentes na última década têm objetivo ambiental. Isso chamou muito nossa atenção, o ambiental foi mais frequente que a produtividade, por exemplo, e muito disso se deve aos progressos dos marcos regulatórios no Brasil e no mundo. As empresas estão investindo para atender às certificações, senão não há a menor chance de expandir os mercados internacionais. Isto é bom, do ponto de vista da sustentabilidade. Entretanto, não quer dizer que não haja problemas dessa natureza. O livro tem dois capítulos relacionados à sustentabilidade, com foco no aspecto ambiental. Há muitas variáveis a considerar e o tema é controverso.

6) O que poderia justificar a postura contraditória das políticas públicas brasileiras para o setor sucroenergético?

Essa pergunta seria para a nossa presidente responder. Porque é muito difícil entender o que aconteceu nos últimos quatro anos na política energética do Brasil, e não apenas de combustíveis, mas também energia elétrica. A estrutura de produção de energia no Brasil se desorganizou de tal maneira com a promessa do bilhete premiado do pré-sal que acabou se transformando em um problema. As políticas pró-etanol minguaram. O PAISS, do BNDES, é um programa muito bom, mas insuficiente para sinalizar qualquer mudança na nossa matriz. Falta escala. Então há muitas contradições. A presidente Dilma optou por controlar a inflação com o preço da gasolina na bomba apostando no pré-sal e em prejuízo do setor de etanol. Afinal, o petróleo rende royalties, o etanol não. E o volume financeiro movimentado pelo setor de petróleo é muito maior do que o do setor sucroenergético.

7) Algumas empresas do setor sucroenergético têm buscado ações para aumentar sua produtividade, mas não ainda a maioria delas. Qual é o perfil das empresas que conseguem se preparar para as exigências do mercado?
Intuitivamente, poderíamos afirmar que são os grandes capitais nacionais e internacionais que conseguem investir em produtividade e ganhar melhores posições no mercado. Mas isso é verdade em parte. Embora a maioria desses grandes capitais apresente de fato mais iniciativas de investimentos em tecnologia e profissionalização da gestão da inovação, há empresas com esse perfil que não assumem essa iniciativa. Por outro lado, nem sempre os tradicionais usineiros do setor têm uma postura conservadora, havendo casos em que eles realizam investimentos e diversificação da produção com resultados positivos em produtividade. O que é espantoso ainda é termos uma produtividade média em patamares muito baixos. No início dos anos 1980, a média era de 58-60 toneladas de cana colhida por hectare. Hoje, mais de trinta anos depois, a produtividade média é de 68-70 toneladas de cana por hectare. Existem produtores que registram produtividade de 90, 100 toneladas por hectare, mas não é o padrão do setor. Há produtores com produtividade de 50 toneladas por hectare. Existe um conjunto de tecnologias na prateleira, mas a maioria dos produtores não investe. Os pequenos produtores têm menos condições de investir e trabalham com margens muito menores. Muitos fecharam, algo como 70 usinas a menos nos últimos três anos. Para os grandes capitais, a retração do mercado e a falta de perspectivas de crescimento desestimulam os investimentos no setor. Os grandes capitais apostam em diversos caminhos e o etanol é um deles.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Uso da água na produção sucroenergética

Imagem: Wikipedia, Timhall.

Em meio à crise hídrica que atinge o Brasil, uma importante discussão diz respeito ao uso da água em processos de produção de derivados da cana-de-açúcar. Além da fase agrícola, emprega-se grande quantidade de água nos processos realizados nas usinas, principalmente para resfriamento de equipamentos e sistemas.

De acordo com o portal novaCana em matéria publicada em 2013, o cultivo de cana-de-açúcar no Brasil não utiliza irrigação, o que reduz impactos ambientais tanto pelo menor uso da água como por evitar arraste de nutrientes, resíduos de agrotóxicos, perdas de solo etc.

A água vem geralmente da chuva, que insiste em não cair em quantidades desejáveis. Nesse caso, a irrigação se faz necessária. Além disso, como a própria matéria informa, o emprego da água na cultura de cana no País está aumentando em virtude da crescente demanda pela incorporação de novas áreas no Cerrado, onde há regiões com déficits hídricos mais acentuados, e no Nordeste, visando a melhorar a produtividade.

O texto traz informações sobre a utilização de água no processo industrial. Nos valores médios de eficiência industrial, o consumo de 0,92 m³/tc (tc = tonelada de cana) corresponderia a 10,8 litros de água por litro de etanol. Porém, por falta de dados sobre a fase agrícola, o cálculo em termos de cadeia produtiva fica prejudicado. Mais difícil ainda é calcular a pegada hídrica do setor sucroenergético, que considera a água utilizada também na produção dos insumos utilizados na cadeia produtiva.

O que diz a Unica

Segundo notícia veiculada pela Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) em novembro de 2014, a indústria de cana-de-açúcar vem reduzindo significativamente a captação de água nos últimos 30 anos.
Graças ao reuso, a retirada média pelo setor caiu de 15 a 20 metros cúbicos por tonelada na década de 70, para a média atual abaixo de dois metros cúbicos por tonelada, com algumas unidades industriais chegando a captar menos de um metro cúbico por tonelada.
A entidade disponibiliza um relatório sobre a sustentabilidade do uso da água pela indústria da cana referente à safra 2012/2013, uma iniciativa em parceria com o Fórum Nacional Sucroenergético (FNS) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI).

No rastro da pegada hídrica

Para quantificar os volumes de água necessários para produção de cana-de-açúcar, etanol e açúcar nos diferentes sistemas de cultivo irrigados em condições de solo e clima característicos do Brasil, a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) formulou um projeto em parceria com outras instituições de pesquisa, conforme noticiado em seu site em outubro do ano passado. Entre os resultados esperados está o fornecimento de informações para subsidiar políticas ambientais e ajudar no avanço de marcos regulatórios para uma produção mais sustentável.

A esse respeito, a dissertação de Mauro Francisco Chávez Rodríguez, intitulada Uso de água na produção de etanol de cana de açúcar e defendida em 2010, informa que :
Segundo Carmo (2008)*, as usinas atuais são perdulárias no consumo de água (...): para cada tonelada de cana entram inicialmente 700 litros de água na usina, são captados mais 1830 litros para processamento dessa tonelada e a água sai da usina na forma de perdas, calculadas em 1919 l/t de cana (por evaporação, no bagaço, nas purgas da lavagem de cana e outras), e nos produtos e subprodutos: açúcar (0,03 l/t), etanol (0,26 l/t), vinhaça (570 l/t), torta de filtro (40 l/t de cana). Conforme o mesmo autor, mesmo com tecnologias convencionais já disponíveis, o consumo de água pode ser significativamente reduzido.
No resumo da dissertação, Mauro afirma:
... o consumo de água na indústria sucroalcooleira de cana de açúcar tem um grande potencial de redução, inclusive oportunidades de haver excesso de água devido à grande quantidade de água carregada pela cana aproveitada por reúsos internos nos processos. Também [se conclui] que a produção de etanol de cana de açúcar como feita atualmente no Estado de São Paulo não ameaça os recursos de água em termos de quantidade, e que numa análise do ciclo de vida incluindo a “água-CO2”, o etanol de cana de açúcar consumiria tanta água na sua produção e uso como a gasolina derivada do petróleo.
Eficiência de tecnologias

Saiu na semana passada, no Valor Econômico, uma notícia veiculada na Revista Canavieiros de que representantes da Câmara Setorial de Equipamentos de Irrigação (CSEI) da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) irão se reunir com o secretário de agricultura do Estado de São Paulo, Arnaldo Jardim, para apresentar dados sobre as tecnologias de irrigação utilizadas no país e defender a eficiência desses métodos.

A preocupação se justifica ante o iminente anúncio do governo do Estado de São Paulo de uma restrição ao uso de água na agricultura, com foco em plantações irrigadas nas bacias hidrográficas em situação crítica em relação ao abastecimento humano. A medida deverá afetar os negócios de produtores rurais, incluindo o setor sucroenergético.

Ineficiência operacional

Por outro lado, estudo divulgado em junho de 2013 pela consultoria GO Associados a pedido da International Finance Coporation (IFC) - braço do Banco Mundial - informa que o Brasil perde 40% da água fornecida pelas concessionárias de saneamento em função de ineficiência operacional.

Conforme notícia da agência Reuters veiculada em junho de 2013, os prejuízos provocados por perdas de água decorrem em sua maior parte de fraudes, furos na tubulação e deficiências operacionais. Os ganhos de um "esforço nacional" para reduzir as perdas de água e aumentar a eficiência energética poderiam chegar a 37 bilhões de reais até 2025, com redução de 50% das perdas correntes.

Usineiros, pesquisadores, governo e produtores de insumos. Posições diferentes sobre o mesmo tema. E em meio à crise atual, todos devem se esforçar para um único objetivo: economizar água.


*CARMO, V.B. Uso da água na produção de etanol de cana-de-açúcar – fase industrial. Em: Workshop “Uso da água na produção de etanol de cana-de-açúcar” – Projeto Programa de Pesquisa em Políticas Públicas. Faculdade de Engenharia Mecânica, Unicamp. Campinas, 2008.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Movimentos e manifestações em defesa do setor

Diante da crise que enfrenta o setor sucroenergético brasileiro, alguns segmentos se mobilizam.
No segundo semestre de 2013, foram criadas quatro frentes parlamentares em defesa do setor. São elas:
  • Frente Parlamentar pela Valorização do Setor Sucroenergético: segunda maior frente já criada no Congresso Nacional, coordenada pelo deputado Federal Arnaldo Jardim (PPS-SP).
  • Frente Parlamentar em Defesa do Setor Sucroenergético: lançada na Assembléia Legislativa de São Paulo (Alesp), coordenada pelos deputados Roberto Morais (PPS) e Welson Gasparini (PSDB).
  • Frente Parlamentar em Defesa dos Municípios Canavieiros: também lançada na Alesp, coordenada pela deputada Beth Sahão (PT).
  • Frente Parlamentar pela Valorização do Setor Sucroenergético em Minas Gerais: iniciativa  anunciada na Assembléia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), com coordenação do deputado Antônio Carlos Arantes (PSDB).
Em parceria com a Frente coordenada por Arnaldo Jardim, foi lançado em maio de 2014 o site do Movimento Pró-Etanol, com o objetivo de mobilizar o setor sucroenergético - produtores rurais, sindicalistas, empresários e parlamentares - e divulgar as atividades do movimento. Segundo matéria do portal PPS, "Jardim disse que o Movimento Pró-etanol mobilizou, no início de maio [de 2014], mais de 3,5 mil pessoas em manifestações realizadas nas cidades de Jaú e Piracicaba, no interior de São Paulo, em defesa do biocombustível".

Entrei hoje no site do Movimento Pró-Etanol e me deu a impressão de abandono. A notícia mais recente data de junho de 2014, na seção Na mídia, a informação mais recente é de agosto de 2014. Já a seção Próximas ações mostra apenas o texto "Em breve informações sobre as próximas ações do movimento Pró-Etanol".

Este ano

Há pouco mais de uma semana, saiu no portal Brasilagro uma matéria assinada pelo fundador e editor da instituição Ronaldo Knack, segundo a qual 
a frustração ante os resultados pífios apresentados pelas “Frentes Parlamentares” criadas com o objetivo de alavancar politicamente o setor, criaram um fosso abissal entre os interesses dos trabalhadores, dos fornecedores de cana, das usinas e da sua indústria de base.
Face à carência de medidas governamentais efetivas, sindicalistas, fornecedores de cana, usineiros, empresários da indústria de base e representantes dos poderes públicos municipais e estaduais uniram-se com o objetivo de construir e implantar um grande projeto de Governança Corporativa da Cadeia Produtiva Sucroenergética. O projeto prevê audiências com o governador Geraldo Alckmin e as lideranças do setor, além de uma marcha a Brasília.

Ontem circularam notícias de que a Central Única dos Trabalhadores (CUT) aderiu ao movimento em defesa da cadeia produtiva do setor sucroenergético, somando-se à Força Sindical, que tradicionalmente defende os interesses dos 2,5 milhões de trabalhadores do setor.

Mais recentemente, assunto de hoje nas agências de divulgação sobre o setor, a Câmara Municipal de Sertãozinho-SP anuncia a criação de uma Comissão Parlamentar para acompanhamento e fiscalização de soluções que contribuam com o setor. A ação representa um apoio ao Movimento pela Retomada do Setor Sucroenergético, uma manifestação que acontece em Sertãozinho, região de Ribeirão Preto, no dia 27 de janeiro, terça-feira. Estimam-se 15 mil manifestantes, entre trabalhadores dos setores metalúrgico, canavieiro e do comércio; representantes de sindicatos e associações ligadas ao setor sucroenergético; autoridades municipais e regionais, além dos cidadãos em geral. Ao final do percurso de dois quilômetros, será apresentado documento com as principais reivindicações dos setores envolvidos.

O Movimento tem realização da Prefeitura de Sertãozinho, CUT, Sindicato dos Metalúrgicos, Força Sindical, Centro Nacional das Indústrias do Setor Sucroenergético e Biocombustíveis (Ceise Br), Associação Comercial e Industrial de Sertãozinho (ACIS), Sindicato do Comércio Varejista de Sertãozinho e Região (Sincomércio), Associação dos Plantadores de Cana do Oeste do Estado de São Paulo (Canaoeste), Câmara Municipal, Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindinapi), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Amigos Associados de Sertãozinho (Amasert), Sindicato dos Empregados no Comércio (Sincomerciários) e Cooperativa dos Plantadores de Cana do Oeste do Estado de São Paulo (Copercana), com apoio da Unica (União da Indústria de Cana de Açúcar), Coopercitrus Cooperativa de Produtores Rurais, Cooperativa dos Plantadores de Cana do Estado de São Paulo (Coplacana) e Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Alimentos de Sertãozinho, em parceira com a Frente Parlamentar pela Valorização do Setor Sucroenergético (Frente do Etanol).

Agora é ver como vai repercutir essa mobilização.

Demissões e concentração de mercado

O setor sucroenergético entra em 2015 com o fechamento de mais uma usina de açúcar e etanol e, com isso, mais 250 demissões. Desta vez foi a usina Bom Retiro (Capivari, SP), pertencente à Raízen, maior produtora de açúcar e etanol do país. Além da crise no setor, a escassez de cana para moagem devido à estiagem pressionou os produtores. A estimativa da Unica (União da Indústria de Cana de Açúcar), segundo notícia da Folha de S. Paulo, é de que pelo menos nove usinas fechem este ano.

Na esteira das notícias insustentáveis sobre o setor sucroenergético, saiu hoje no portal Brasil Econômico uma matéria intitulada Multinacionais dominam 90% do mercado de açúcar e etanol, segundo a qual as empresas familiares nacionais caminham progressivamente para a extinção. Representantes de 1/4 do mercado nacional até 2012, as empresas familiares têm encontrado dificuldades para diversificar os negócios e investir em novas tecnologias e inovação (como a co-geração de energia, a produção de etanol de segunda geração e a introdução de outras tecnologias agrícolas, como a agricultura de precisão).

Gigantes como Bunge, Cargill e Biosev (Louis Dreyfuss) possuem capital suficiente para realizar ações desse tipo e adquirir empresas familiares de menor porte (mas não necessariamente pequeno porte, como se viu no caso da aquisição da Santelisa Vale pela Louis Dreyfuss). O aumento da concentração de mercado prejudicou especialmente os pequenos grupos familiares, quase totalmente impedidos de investir em função de seu alto nível de endividamento e escassez de crédito.

Assim, a crise do setor (pressionada pela crise mundial e reforçada pelas condições internas desfavoráveis) tem uma componente tecnológica que dificulta a sobrevivência das empresas familiares. O resultado tem sido a concentração de capital e o desemprego.

O cenário pouco animador que já se prolonga desde a crise mundial de 2007-2008 levou à formação de movimentos em defesa do setor e manifestações, que comento no próximo post.