terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Audiência pública sobre levedura transgênica carece de transparência

Saccharomyces cerevisiae. Fonte: Wikimedia Commons
por Bob Blaylock.

Às vésperas da chegada de 2015, navego pelas últimas notícias do setor sucroenergético e encontro um interessante relato do portal novaCana sobre a dificuldade de tornar público o que é direito do público. Trata-se da abertura de informações sobre a primeira levedura transgênica para a produção de etanol de segunda geração (a partir da palha e do bagaço de cana-de-açúcar) no Brasil, desenvolvida pela empresa holandesa DSM, parceira da GranBio no fornecimento de leveduras.

A divulgação de informações sobre o organismo geneticamente modificado (OGM) Saccharomyces cerevisiae Linhagem RN1016 visa à participação da sociedade e é etapa obrigatória no processo de aprovação da nova variedade pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) que há 40 dias abriu audiência pública sobre a solicitação de parecer para liberação comercial de microrganismo geneticamente modificado e seus derivados feita por meio da Bio Celere Agroindustrial, subsidiária da GranBio. 

Entretanto, o novaCana aponta que a CTNBio criou dificuldades que impediram a participação da sociedade no processo, visto que condicionou o envio das informações ao acionamento da Lei de Acesso à Informação e respondeu ao pedido no último dia do prazo legalmente estabelecido sem de fato enviar as informações solicitadas, mas dizendo que enviaria o material pelo correio. Diz a matéria:
A postura da entidade de se posicionar no último dia do prazo, combinada com a decisão de enviar a documentação apenas pelo correio, fez com que fosse impossível ter acesso a documentação em tempo para manifestação na consulta pública ou mesmo para conhecimento do processo que deveria ser público. 
Encontrei algumas informações sobre a levedura e a solicitação de liberação pela GranBio à CTNBio e não tenho clareza sobre quais informações foram agora solicitadas pelo Nova Cana.

Na etapa de avaliação do processo pela CTNBio, que recebeu da GranBio em março de 2013 um relatório de 289 páginas, o parecer final do órgão foi o seguinte:
Parecer Final da CTNBio:

Baseados na ampla e completa informação contida no dossiê encaminhado pela requerente, na literatura pertinente e na experiência prévia no uso industrial de leveduras no processo de produção de etanol, considerando que o evento envolve uma hospedeira bem conhecida, S. cerevisiae, com seu genoma sequenciado, com histórico seguro de utilização na indústria para múltiplos usos e sem riscos para a saúde humana e animal; considerando ainda que não há relatos de danos à saúde relacionados ao consumo ou exposição à proteína expressa pelo transgene; considerando que a análise bioinformática apoia a hipótese de ausência de potencial alergênico para tal proteína; que o uso pretendido desta levedura para produção de etanol de segunda geração não envolve diferenças significativas do processo industrial comum de fermentação de garapa, que inclui sistema fechado e posterior inativação; que o doador do gene não é um patógeno de humanos nem de animais e que o gene XylA participa apenas na catálise da reação reversível de D-xilose a D-xilulose, processo conhecido amplamente na indústria alimentar; que o organismo transformado é considerado seguro e amplamente empregado na indústria e mesmo nos processos fermentativos artesanais; que a enzima xilose isomerase, única nova proteína produzida pela levedura em análise, é amplamente empregada na indústria alimentícia; que a expressão do novo gene, assim como a alteração dos níveis de expressão de outros genes relacionados à via metabólica modificada na RN1016 não confere à levedura recombinante quaisquer características modificadas de competitividade no ambiente; que a RN1016 possui reduzida capacidade de sobrevivência, devido à ausência de capacidade esporulante, o que limita drasticamente sua dispersão na natureza e restringe seu crescimento às dornas industriais, em condições otimizadas e sem competição com leveduras nativas ou outros microrganismos; que os resíduos industriais não são fonte de exposição ambiental ao OGM, frente às características biológicas da levedura RN1016, que facilitam a inativação dentro dos procedimentos convencionais de produção de etanol, e à baixa competitividade da levedura nos ambientes naturais, ainda que acidentalmente liberada viva; que os procedimentos adicionais para garantir a completa inativação das leveduras transformadas estão previstos na planta industrial e serão incorporados ao processo produtivo, quando necessários; e, sobretudo, considerando que o evento e seus subprodutos não se destinam ao consumo humano ou animal e que os trabalhadores da indústria estarão minimamente expostos à levedura, concluímos que o evento não apresenta riscos às metas de proteção distintas da levedura não transgênica para os fins pretendidos e somos, portanto de parecer favorável ao pleito da proponente.
Na atual etapa, de audiência pública, a postura da CTNBio levanta suspeitas. Quem ganha e quem perde com a falta de transparência?

Se ao público não chegam informações sobre a nova tecnologia, criam-se dificuldades para suas reflexões e para a construção de argumentos favoráveis ou contrários a essa inovação. Impedir a possibilidade de uma controvérsia é, em si, controvertido.